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Filolítica#2: Reflexões sobre o Adiamento do ENEM

Decisão escolhida por 20% dos estudantes que irão fazer o Enem revela também o poder de influência dos youtubers sobre as escolhas de parte da juventude. Mas a questão que fica é: Será que os caminhos educacionais de um país devem ser decididos em uma hashtag?





Desde que começou as campanhas para o adiamento do Enem preferi me manter em silêncio sobre o asssunto. Agora creio que consigo explicar o motivo.



O Exame Nacional do Ensino Médio

Por mais estranho que pareça, o ENEM não é um vestibular. E toda discussão sobre o seu adiamento , ou para quando seria a sua nova data, não tocou nesse ponto essencial.

O Exame Nacional do Ensino Médio é, prioritariamente, um Exame. Tal fato indica que sua principal função é medir o desempenho educacional dos educandos do ensino médio no País e não aprová-los em uma faculdade. Tal ponto corresponde ao SISU que , obviamente, se liga ao ENEM, mas não são a mesma coisa. Posto isso, como professor e pesquisador da área de educação, se as condições sanitárias permitirem até o final do ano, creio que seria essencial que essa medição da educação brasileira fosse feita no ano de 2020. Seria um instrumento de coleta de dados importante para entendermos, de fato, o tamanho do buraco acadêmico causado pela pandemia do COVID-19. Mas a discussão até agora não passou por esse ponto essencial que descrevi. Com a lógica do vestibular imposta no senso comum das pessoas sobre o ENEM, muitos alunos, professores e, principalmente youtubers, começaram a defender o adiamento do Exame por si. Mesmo, a prióri, não concordando com os motivos da defesa do adiamento que começou a estourar nas redes sociais, ou seja a lógica do vestibular como guia da campanha já que educandos seriam prejudicados pela dificuldade do acesso às aulas ( aqui argumento que concordo, mas que creio ter sido usado de maneira manipulativa) , creio que pela situação caótica que nos encontravámos, e ainda nos encontramos, era de bom senso e prudente pensar em 1, 2 ou 3 meses de adiamento do Exame. Como todavia, o discurso para isso, era a espera de que a prova do Enem, de alguma forma, fizesse justiça social (?) a necessidade de coerência argumentativa interna para manutenção do seu público alvo, fez muitos analistas das redes sociais apoiarem a postegação do exame o máximo possível em nome da "escola pública". Muitos destes que, nem educadores são muito menos já pisaram em uma escola pública , traçaram a estratégia de manunteção da adoração nas redes sociais e como manter seu público engajado: " vou até o fim com vocês". Sem dúvida nenhuma conseguiram, e conseguem, muitos views com tal retórica e pelo resultado da enquete do Enem divulgada em 01 de julho de 2020, conseguem também muita influência sobre as decisões práticas de boa parte dos jovens. Alguns destes, inclusive, pedem que jovens youtubers sejam "ministros da educação", não conseguindo perceber o quanto são apenas números importantes para que seus ídolos do entretenimento consigam ter suas rendas asseguradas. Está na hora de afirmar de maneira clara: A maioria das pessoas que militam pela educação nas redes sociais não está de fato interessada no processo educativo, didático e formacional. O discurso feito é apenas aquele que mantem seus seguidores fiéis como massa de manobra para as negoçiações de contrato feitas a partir da influência de a ou b sobre o seu público. Parece que não está se pensando que o adiamento por si do Enem pode gerar uma geração de estudantes, inclusiva da escola pública , a não ter acesso neste ano a entrada na faculdade. Isso não pode ser decidido de maneira irressponsável. Tem que ser o último caso tentado, depois de muita luta para que não ocorra. A luta pela educação e acesso à universidade é uma conquista história brasileira e não poder ser banalizada pelo discurso confortável e imediatista que agrada seu público na internet. A cada semestre que uma faculdade não conseguir matricular educandos em suas redes, menos conseguimos oferecer, por meio da educação, uma possiblidade de transformação para pessoas pobres e negras e demais minorias que tem sua garantia assegurada no sistema atual criado.


O Adiamento do ENEM.


A data de decisão do Exame Nacional do Ensino Médio não pode ser escolhida pela plateia como pseudo forma de discurso democrático. Não se decide ações ou políticas pública desta maneira. Na verdade, a democracia direta tem um grande problema: ela é alvo do discurso dominante que pode ser manipulado facilmente pelos detentores de influência midíatica , inclusive financeira. Se o governo fizer uma enquete pergutando se o casamento gay deve se aprovado no país, provavelmente a resposta será um majoritário não, em enquete direta. Mas, desde a Democracia Moderna com Rousseau, o Estado Democrático não se baseia na simples decisão da maioria, mas, sim, na Vontade Geral. Nesse caso educacional, por exemplo, é preciso ouvir a Vontade Geral pra ser efetivamente democrático. Vontade Geral não é a Vontade da Maioria. Por vezes, o que a maioria quer, não atende a Vontade Geral de uma sociedade. Rousseau percebeu isso no século XVIIl. As Universidades, as Escolas, os Professores, os Estudantes (devidamente organizados em suas entidades estudantis) precisam sentar à mesa com suas devidas representações políticos-sindicais e buscar um consenso pra questões de confito como esta que a pandemia nos trouxe. Consenso é, simplificando, a decisão que desagrada a todos. Que todos cedem um pouco. Isso é Democracia a partir da Modernidade. O que vemos na escolha proposta pelo mais irresponsável MEC da história é oportunismo barato que, se for legitimado como está no momento sem nenhuma discussão com os setores da educação em geral, pode gerar um caos completo no sistema educacional do país, e se não for respeitado em si, será uma medida autoritária contrária ao pseudo exercício democrático proposto.


O que deve ser feito


A primeira coisa é questão de foco: o Brasil precisa ter um ministro da educação. O caos que vivemos é tão absurdo que estamos pensando em data para realização do ENEM sem termos liderança no MEC. Isso por si só deveria ser o maior problema a ser discutido nesse momento ao invés da data da prova.


Segundo, deveria-se, como Democracia Moderna, convidar as entidades educacionais , como disse, à mesa. Representantes das Escolas Públicas, das Escolas Particulares, do Sindicado dos Professores e dos Movimentos Estudantis deveriam apresentar propostas em busca de um consenso.


Antes que me perguntem, não, os youtubers que falam de educação, não deveriam ser convidados pra essa reunião até que se organizem pra isso como uma entidade educativa com representação política. Sem isso, já basta os danos que causam ao tratar de educação brasileira de maneira banal em busca de autopromoção e fidelidade de seguidores.


Perdoem a sinceridade, mas a Democracia é séria demais para o tanto que a estamos banalizando. De alguma forma, espero que tudo isso seja educativo. Não se faz política, apenas na internet. Pelo contrário, como vimos na última década, o ambiente virtual tem sido largamente comprometido por interesseiros e manipuladores que enxergam na possibilidade de acesso a um público cativo enorme, apenas projeção pessoal e não a contrução de um país que ainda está mergulhado em sua herança colonial.


Que seja em Janeiro, Maio, ou volte pra Novembro a data do ENEM. A questão é que esta não pode ser feita por enquete virtual. Acreditem, consulta direta, não é Democracia há, pelo menos, 300 anos. Na ágora contemporânea das redes sociais, muito menos. A chance de estarmos dominados pelos sofistas e suas retóricas, como já dizia Platão, destrói a política pública.


Que os estudantes sejam ouvidos nesse processo é essencial. Da maneira verdadeiramente democrática, escutando as entidades estudantis. E também dialogando com os demais setores sociais. E que as pessoas que enxergam a educação, apenas, como entretenimento em ambiente virtual na sua busca pessoal de projeção, possam se responsabilizar pelos seus discursos. Que aprendamos a discernir o que é exercício educacional e o que não é, também, como público. A responsabilidade é nossa também.







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